02/09/14

... da rudeza de um sabor ...

... ando com orwell na cabeça. nem sei bem a razão. talvez porque ande um pouco perdido na procura de uma ideia nova. e orwell desperta sempre em mim essa necessidade de pensar. pensar no verdadeiro sentido do termo. e fui parar junto da estante. e nela um dos livros que guardo sempre na memória. falo muitas vezes dele em diferentes contextos. há naquele caminho uma rudeza única. e uma beleza que só a rudeza consegue trazer consigo. seja em palavras, seja em sabores. e eu bem sei que as ideias são também assim. rudes. até ficaram limpas. até se poderem apresentar. quase como um pedaço de pedra. ou de barro. que é preciso desbastar. mas que foi acumulado ao longo do tempo. como orwell revela. quase como um caminho. aquele, caminho. o feito e o por fazer. vou até ele. para me guiar. o sabor e não só...

..."percorrendo as ruas das cidades industriais, perdemo-nos em labirintos de pequenas casas de tijolo escurecidas pelo fumo, que crescem num caos desordenado em volta de ruelas enlameadas e pequenos pátios pardacentos cheios de caixotes do lixo malcheirosos, roupas encardidas a secar nas cordas e casas de banho meio arruinadas. os interiores dessas casas são quase sempre parecidos, embora o número de divisões varie entre duas e cinco. (...) nas traseiras há um pátio, ou uma parte de um pátio partilhado por várias casas, com espaço apenas suficiente para o caixote do lixo e a retrete. nenhuma dispõe de água quente. penso que podíamos percorrer centenas de quilómetros dessas ruas onde moram os mineiros, que todos os dias voltam a casa negros da cabeça aos pés, sem encontrar uma única casa onde seja possível tomar um banho."...

o caminho para wigan pier, george orwell


bacalhau rude
1 hora
ingredientes (2 px)
lombo de bacalhau (demolhado)
miolo de noz
tomilho
manjerição
cebolinho
oregãos
alho picado
batata
farinha de milho
azeite
1 pacote de natas
alface

receita: pré-aqueça o forno a 200º. deite num tabuleiro largo um fio de azeite (generosamente). coloque o lombo de bacalhau demolhado no centro. regue com um fio de azeite. sobre o lombo coloque uma pitada de tomilho, outra de manjericão e outra de cebolinho. coloque depois o alho picado. polvilhe com a farinha de milho não criando uma camada muito alta. esmague o miolo de noz até ficar desfeito. coloque sobre a farinha no lombo de bacalhau criando uma camada final. lave as batatas muito bem. corte em rodelas médias e coloque em volta do bacalhau. tempere com sal e oregãos e deite um último fio de azeite sobre as batatas antes de ir ao forno. deixe cozer por 45 minutos verificando a temperatura (poderá ser necessário reduzir um pouco a meio). quando estiver quase pronto e verificar que o bacalhau já "lascou" verta as natas sobre o lombo de forma a deixar entrar nas lascas do bacalhau já cozido. reforce a temperatura para o final e sirva quente.

dica: sirva com uma salada simples de alface bem temperada.

... às vezes sabe bem um sabor mais rude para nos fazer lembrar que a vida tem sempre desafios mais duros para nós. é como se a refeição fosse feita para nos provar isso. ou relembrar isso. que vamos sempre encontrar coisas assim. e que as podemos transformar em experiências vividas. em sabedoria. onde podemos ir buscar novas ideias. novas formas de ver as coisas. na rudeza da forma como sentimos as coisas, nas aspereza das palavras ou dos momentos. há, como em orwell, a beleza da compreensão do mundo. do caminho que queremos, ainda, fazer para sair dali. desse sabor pouco tratado. dessa lugar da memória que nos arrepia pela força dura com que aparece. mas é nessas cidades onde o tempo parou, o nosso tempo, que podemos ir buscar as certezas para reforçar as ideias por nascer. é simples, afinal. é um sabor que perdura. mas não só. é uma certeza que se sabe. a que se sabe o sabor. por muito rude, duro, áspero, simples ou brutal que seja.