31/01/15

... cozinhar é só isto ...


... é difícil. o tempo para vir aqui. é tudo difícil. pode não parecer. mas é. o texto hoje será um pouco mais longo por isso mesmo. porque é difícil. primeiro é preciso encontrar o lugar. o nosso lugar. eu não sou da cozinha. nunca fui. não conhecia a sua essência. por isso ainda tudo me é estranho. ainda. conseguir ambientar-me não é a mesma coisa do que estar à vontade. há coisas que não gosto. e há uma necessidade de organização que preciso que ainda não encontrei. talvez porque profissionalmente sempre trabalhei por antecipação. com planeamento. depois é o tempo. a gestão da dependência dos outros. de confiar. de ser preciso imensamente confiar. e de haver uma constante cedência face ao que se pensa e ao que nasce para ser servido. e a forma como se fala com o outro. o que se pede, como se pede. às vezes, porque se faz uma coisa bem, vem uma vã glória. ainda outro dia ouvia: já me roubaram a ideia. a ideia é um alimento. a forma de o apresentar. como se isso fosse possível roubar. ou como o ego pensa que nunca ninguém alguma vez olhou para aquilo e viu aquela forma. é o reino dos egos. de muitos egos, a cozinha. em confronto permanente. para não falar do cansaço que se junta a tudo isto constantemente e à necessidade de dar a volta a uma coisa que falta ou que é preciso fazer. ali não vale a cedência. vale o compromisso. é difícil isso, para muitos. a verdade é que é sempre assim quando faltam experiências de vida para além do comum correr dos dias. às vezes olho para tudo aquilo e penso que até nisso fui um privilegiado. experimentei muitas coisas. os meus pais deram-me coisas que nem sabia que tinha. o meu avô, que adorava comer, também. sei os nomes das coisas. ao que devem saber. ao que deve saber um papo de anjo ou um ninho. são privilégios. mas também são memórias. e às vezes doí ter essas memórias porque são realidades que já não existem. trazem saudades. trazem muitos sabores associados. a cozinha é um território de mágoas. pode não parecer pela beleza das coisas que se criam, tantas vezes, para os outros. a cozinha é sempre para os outros. isso é que é o mais belo. para os que "estão lá dentro". a comida que fica é brutalmente deglutida sem qualquer brilho. porque é fome a matar depois de seis a oito ou mais horas de trabalho contínuo. nisso, não há beleza nenhuma. e depois há o nosso lugar. para onde tudo o que somos e que trazemos em nós, mais do que o que aprendemos, nos vai colocando num espaço, numa coisa em que nos destacamos ou onde naturalmente nos sentimos bem. a doçaria foi para mim esse espaço. gosto muito mais da palavra doçaria do que pastelaria. é das coisas mais estranhas. perdido o medo vem o conforto. de dar uma colher a provar e alguém dizer que lhe traz uma lembrança ou relembra um sabor. ou que conforta. tudo isto é tão estranho. porque este não é o meu lugar natural. é um lugar que ocupo para não pensar. para me obrigar a deixar de pensar no mundo. e no entanto, ali dentro, naquele espaço, é todo o mundo que acontece. na cozinha. todos os dias. ou somente, tudo isso, num só sabor que se revive...

... sabor impossível ...

... li, reli. procurei. é impossível. talha, azeda, não ganha consistência. não é bom. depois encontrei uma receita de um dos melhores restaurantes do mundo. e fazia vinte anos que torga tinha morrido. e lembrei-me que seria um bom sabor para terras de detrás dos montes. um sabor a terra, a trabalho, a aridez. um sabor que define. seria muito bom criar isso. ou ir até lá e ver o sabor das coisas quando estão secas. quando as gentes só habitam a memória e nada mais. e um sabor pode ser tudo isso. disseram-me que era impossível. como sempre, não acreditei. tentei. e consegui. da uva para um sabor único. guardado. para guardar. para fechar uma qualquer refeição ou repasto. com sabor a terra. e a delícia. somente isso.

«chuva. bátegas de água que parecem cargas de cavalaria. quem se arrisca a pôr o pé fora da porta, atravessa a rua com a velocidade dos relâmpagos. do lado de dentro das casas, dos automóveis e dos eléctricos, a humanidade separa-se da natureza por vidraças...»
miguel torga




curd de uva e moscatel
ingredientes
6 ovos
500g de uvas
2 a 3 cálices de vinho moscatel
500g de açúcar
130g de manteiga
1 anis estrelado ou
1 pau de canela

receita: comece por lavar as uvas e cortar ao meio para retirar as grainhas. coloque, depois, numa panela as uvas e o moscatel e levante fervura. retire. desfaça com varinha mágica. coloque depois no tacho as uvas trituradas, o açúcar, a manteiga e o anis estrelado. deixe ferver durante 2 a 3 minutos. noutro recipiente coloque os 6 ovos bata bem até ficarem bem ligados. depois de fervida a base das uvas com os outros ingredientes passe por uma peneira para tirar qualquer resíduo. junte o preparado aos ovos ainda quente vertendo em fio e mexendo sempre. volte a colocar tudo ao lume brando até engrossar. deixe arrefecer e sirva ou guarde em frasco.

... há sabores que nos resgatam a memória. mesmo quando dizem que são impossíveis de criar. talvez por isso, porque nos esquecemos que a natureza nos dá todos os elementos necessários para "entender" tudo o resto. porque nos afastamos da lógica simples das coisas pelas vidraças que criamos. como se entre o homem e a natureza houvesse um espaço sem vida. mas há. e os sabores, como este, relembram isso. que precisamos saber a cor da terra, o cheiro do campo, o que se sente quando uma brisa nos toca o rosto no meio de um qualquer montado para perceber que impossível é só um estado de alma entre dois momentos. ou sabores...





21/01/15

... desaprender a cozinhar ...


... o primeiro passo é quase esse. desaprender. os hábitos, as formas. de fazer as coisas. as simples. as complexas. depois, reservar o pensamento. obrigar-me a não fazer sempre o mesmo só pela segurança de o saber, já, fazer. ou por "ter jeito". ou por "gostar". é no forçar a fazer o que não gosto e conseguir fazer isso bem que está o segredo. e a dificuldade. como o sabor que não se prova porque "não se gosta". ter uma tendência não é ter um capricho. é mesmo jogar com essa dualidade entre o que se sabe, domina e aquilo de que se tem medo. o medo ajuda a apurar tudo. do sabor à técnica. e perguntar. não há nunca vergonha em perguntar. porque tem que ser, naturalmente, assim. a cozinha é dos mundos mais complexos que existem. tudo se mistura em cinco ou seis horas de trabalho contínuo entre seres humanos. é uma relação constante de criação, aprendizagem, desaprendizagem, medo, saber e sabores, que se repete em ciclo em exaustão em poucos minutos de cada vez. é fabuloso perceber que o que vivemos faz toda a diferença para fazer o equilíbrio. e o que somos revela-se. forçar-me, depois de ter encontrado uma coisa que me encanta a não a fazer para ir fazer todas as outras faz-me recordar o que disse tantas vezes aos meus alunos: experimentem tudo, depois pensem e por fim tenham certezas para logo voltarem a fazer tudo outra vez. aprender a cozinhar é também isso. fugir da certeza e procurar sempre começar tudo de novo mesmo sabendo que o aprendido não se esquece...

19/01/15

... naturalmente, saber ...


... a conversa era sobre o pão. e os químicos. e os sabores. a verdade, pensei, é que há uma geração que já não conhece o verdadeiro sabor das coisas. conhece o sabor "industrial" das coisas. ao resto chama gourmet. por vezes, até, o sabor natural, sem nada a "disfarçar" é agreste. árido. por muito estranho que isto possa parecer é assim. vamos criando o hábito de desfazer o paladar em coisas que sabem todas ao mesmo. a algo que engana o sentido. em algo que é agradável. já não temos o instinto de temer. o paladar foi, durante muito tempo, alerta. agora é outra coisa. e por isso, podemos prever um sabor. é aqui que reside esse lugar da "nova" cozinha. porque brinca com isso. esse sabor como experiência não é mais do que esse activar do sentido instintivo básico misturado com a noção moderna de criar uma "experiência". a cozinha é das únicas artes que precisa dos cinco sentidos para ser verdadeiramente apreciada. e isso faz com esta ideia da procura dos sabores que criam deslumbre se torna possível. o deslumbre precisa de tempo. e é, há mesa, que isso acontece. é, talvez, na sociedade actual, o único espaço onde o tempo permite o deslumbre. quando a cozinha e a refeição é pensada como tal, tal é possível. pensar isto é pensar tudo aquilo que é possível refazer. porque o sabor, esse, tem sempre que prevalecer...

18/01/15

... património à mesa ...



... cansaço em sabor ...


... às vezes penso que é muito. que o corpo não resiste. não pode, não consegue, já não tem essa força. mas depois de ultrapassado o primeiro tempo de regresso reparo que há no tempo vivido algo muito importante. a marca do trabalho, de saber gerir o cansaço, de saber como fazer para aguentar tudo está cá gravada como saber aprendido. ajuda muito. porque é preciso saber gerir o esforço. e uma coisa certa é que o cansaço traz o erro. é aqui que a experiência tem um valor incalculável. nisso e na gestão do inesperado. a calma é resultado da ponderação. de antecipar. a cozinha é o lugar por excelência da organização e antecipação. percebi isso. sei isso. gosto muito disso. se juntar tudo isso ao sabor, ao desejo de criar uma experiência, sabemos que não é a vida que pode travar alguém de experimentar ir para a cozinha em moldes mais profissionais. antes pelo contrário. todos os saberes são precisos. e as experiências. é isso que é colocado ao serviço. no serviço. este tempo de regresso tem sido muito rico. as conversas que se vão tendo com os chefes mudaram. são ricas, curiosas, abertas. permitem trocar ideias. formas de fazer. permitem aprender. mudou. a dimensão também, e a exigência. e ainda bem. ser exigente é um dever. e um direito. porque permite evoluir. crescer. e quando se pede mais, mesmo com o cansaço a espreitar, sabemos que estamos mais perto de conseguir. esta é uma viagem a ser feita. e com cada dia tenho aprendido muito mais. é preciso pensar que tudo tem que começar do zero. mas algumas coisas, as que o corpo aprendeu, ajudam muito. cada vez mais. restam o sabores. mas isso fica para depois...

... coisas doces ...

... para mim os gelados eram da santini. em cascais. com fila de espera. quando havia uns trocos na carteira. ou da chipepa, quando não havia trocos. no copo. num copo. e o senhor, velhote, oferecia sempre um sabor novo que tinha experimentado naquela semana. "leva uma colher deste para experimentar". eram sabores diferentes. os bons entravam na "oferta". mas não eram os santini. agora os gelados já não sabem como antigamente. porque naquele tempo, nesse tempo, o gelado era coisa diferente. havia ali. naquele lugar. era a espera, o importante. o desejo sobre o sabor. agora é preciso tudo ser diferente. porque a espera desapareceu. resta o sabor. ou a forma simples de o criar. ou tudo isso seria só fruto da idade de inocência...

"olha, benzinho, cuidado 
com o seu resfriado 
não pegue sereno 
Não tome gelado 
o gim é um veneno 
cuidado, benzinho 
não beba demais 
se guarde para mim 
a ausência é um sofrimento"
vinicius de moraes


gelado de chocolate escondido 
45 minutos
ingredientes
massa folhada
250 gramas de frutos vermelhos
200 gramas de açúcar
100 ml de água
1 limão
gelado de chocolate preto
amêndoa

receita: corte a massa folhada em triângulo e leve ao forno. reserve. numa panela larga coloque o açúcar e a água e leve a 108º. junte os frutos vermelhos com o sumo do limão. envolva tudo com a calda de açúcar assim que esta estiver nos 108º. depois de envolver, deixe ferver até voltar a essa temperatura. deixe mais dois minutos e retire. deixe arrefecer. num recipiente coloque o gelado de chocolate preto (amargo) e envolva a amêndoa com uma colher rapidamente para não derreter. sirva.

dica: acompanhe com um copo de vinho moscatel.

... um dia tenderei a pensar nisso. e esta "sobremesa" é um registo disso. do sabor inocente. como da idade da inocência. de quando provamos algo pela primeira vez. em que o pecado invade a boca em forma de sabor e deixamos de ser os mesmos. porque provámos. porque quebrámos aquele medo. porque descobrimos aquele pecado. é disso que é feita sempre uma experiência que se quer de encanto. cada vez é preciso procurar mais isso. esse encanto. a palavra correcta seria deslumbre. mas para o deslumbre é preciso haver tempo. seja encanto, por agora, porque é imediato. talvez um dia, regresse o tempo de deslumbre...

14/01/15

... a cozinha é um lugar...


... às vezes, é preciso lembrar que as pessoas são pessoas. e que a cozinha é um lugar de brutalidades. e de trabalho duro. que é preciso perceber. entender. tudo. do espaço, ao ritmo, do sabor ao saber. perceber que cada um pode fazer as coisas de forma diferente. que, no fim, teremos que ser nós, sós, a criar algo. às vezes, aprendemos isto em minutos. numa conversa. que a cozinha não é um lugar de estar. é um lugar de fazer. que o que se exige é o profissionalismo. antes das coisas entre as pessoas. ali, a função. a tarefa. o "serviço" é a essência. falta, em tudo, neste tempo que corre, profissionalismo. e construir um caminho, nesta área, é saber que é preciso começar, nas coisas mais simples que há para fazer, até às coisas mais complexas que se podem criar, exigência, rigor e coerência. é tão necessário isto como definir o percurso. o caminho. e o perfil. esta viagem tem-me levado a uma descoberta. nunca, por escolhas profissionais, tive um trabalho prático, físico. mas construí um percurso, uma carreira profissional com reconhecimento. agora, perante tachos e panelas e desafios simples sinto que começar tudo é quase impossível. às vezes, parece impossível. mas outras, fruto do saber da vida nas mãos, sei que conheço sabores para além de muitos daqueles que me pedem para criar. que consigo saber o que quero. como quero. e como o fazer. e depois, há o imenso prazer da memória. ao fazer um doce, chega à boca aquela memória do meu avô que me levou a comer aquele doce há quase trinta anos atrás. há, nisto, nem que seja só nisso, toda a certeza que aquele lugar, com pessoas com quem temos que trabalhar, colaborar, interagir, viver, é um lugar belo...

12/01/15

... criar um sabor ...


"se um cientista tirasse a parte superior do teu crânio e olhasse para o teu cérebro enquanto estivesses a comer o chocolate, só veria uma massa cinzenta de neurónios. se usasse instrumentos para medir o que estava a passar-se dentro do teu cérebro, detectaria processos físicos complexos de tipos diferentes. Mas poderia encontrar o sabor do chocolate? parece que não poderia encontrá-lo no teu cérebro, porque a tua experiência de saborear um chocolate está encerrada no interior da tua mente de um modo que a torna inobservável para qualquer outra pessoa – mesmo que essa pessoa abra o teu crânio e olhe para o interior do teu cérebro. as tuas experiências estão dentro da tua mente com um tipo de interioridade que é diferente da maneira como o teu cérebro está dentro da tua cabeça. oualquer pessoa pode abrir a tua cabeça e ver o que tens lá dentro, mas ninguém pode abrir a tua mente e olhar para o seu interior – pelo menos não da mesma maneira."
Thomas Nagel, Que quer dizer isto tudo? 

... assumir que as expectativas são grandes. esperar mais. é esse o ponto de partida para esta fase. dominar as técnicas. errar muito. experimentar muito. errar ainda mais. acertar, uma vez que seja. num sabor. numa harmonia. porque criar um sabor é sempre o último desejo. como experiência e não só como alimento. para isso, primeiro é preciso perder o medo. a cozinha é feita da relação entre o medo e a expectativa. as circunstâncias ditam o sucesso ou insucesso de uma experiência. mas ditam também as condições ideias para a criação. e é este o ponto de partida também. nunca são as condições físicas ou materiais que determinam a vontade de fazer bem. se o são, a limitação é grande. e a arte precisa de limitações para nascer. as condições perfeitas não existem. nunca existem. existem melhores. mais. mas será sempre mais e melhor o desejado. fazer mais com o que existe é fundamental para perceber que é nas mãos que tudo nasce. na cozinha é na combinação entre mãos e mente. essa que registou um sabor. e o quer recriar. ou fazer nascer. criar essa memória, esse lugar único que espante, encante, cative. é tudo isso que me leva, de volta, à cozinha. sempre. e agora, ao retomar a aventura de aprender algo mais em cada experiência. que seja essa a viagem a fazer nos próximos tempos. haja forças...

11/01/15

... sentidos, recomeçar ...


... sempre "perdi" muito tempo a observar as pessoas e o seu movimento. e o mundo. o movimento dos outros no mundo (mesmo que seja um espaço pequeno e fechado) é algo de fabuloso. na cozinha, determinante. a forma do corpo, a relação com o espaço, o que estão a ver, o que estão a fazer e como o fazem. tudo, determina imenso sobre a relação possível. na cozinha, isto é incrível. as pessoas revelam e aparecem sem espelhos ou truques socialmente aprendidos naquele espaço. recomeçar esta aventura é ter a certeza de ter já encontrado pessoas fantásticas. na nobreza dos gestos, dos saberes, da vontade. sei que tenho "chefes" que são feitos de esperança. disse isto outro dia num contexto estranho. que há pessoas feitas de esperança e outras de passado. a antiga divisão que usava era boas e más. agora acho mesmo isto. e vou cruzar-me com tudo isto num espaço fechado. onde os sabores e os saberes vão ganhar forma. mas aquilo que cada um é determinará o que vai acontecer. o que vou, de cada um, aprender. a cozinha é um lugar de revelação. será sempre. onde quem pergunta se alguém que ajuda é porque não quer ajudar. se quer ajudar, não pergunta e faz. são os gestos, em tudo, que revelam as almas. como os pratos e os sabores. quando chegam à mesa. revelam as mãos que os fizeram. é a alma da coisa presa na esperança com que é feita. ou com o passado. depende da pessoa. e recordo o último momento antes desta pausa em que um chefe que encontrei neste caminho, cheio de esperança, dizia que o mundo que todos nós que ali estamos vamos encontrar não é aquele que os "filmes" mostram ou que nos querem vender. é mesmo o mundo. simples e para ser construído. restam, como sempre, as pessoas. e os sabores. se nada mais houver, que sejam estes últimos, a ficar. e se façam, como desejo, memória nos outros.

... ensaio sobre a fome...

... na história da cozinha ...


... retomar este espaço é como dizer que o caminho faz-se caminhando e que "enquanto houver estrada para andar...". foi tempo de pausa, agora é tempo de ter força. forças. a vontade sempre cá andou. agora é a força. as forças. nunca tive um desafio assim. sempre estive ligado a um mundo mais do pensamento. em que a labuta é feita por confronto de ideias. de olhares sobre o mundo e sobre as coisas. agora, o tempo preciso é mesmo esse. do fazer. mas queria partir para esse tempo do "fazer" com uma reflexão. peguei na fome. fiz um ensaio. devia ser sobre a história da cozinha. foi mesmo isso. mas do outro lado. de como nós, seres humanos, ao longo da história fomos definindo a dimensão da fome. e com isto pensei mais ainda. nesta coisa que é cozinhar. e no que hoje temos. voltei várias vezes ao pensamento de uma necessidade de "back to the basic". mas não no sentido literal. no sentido que retirei às "leis" do design: keep it simple. ter essa ideia é importante. é o ponto de partida para retomar tudo isto. porque, há momentos, quase com a inocência das crianças que descobrem o mundo, em que se quer correr sem ainda saber bem como andar. mas obriguei-me a isso mesmo. a repetir, primeiro, várias vezes, vezes sem fim, as técnicas aprendidas. não se pode criar sem primeiro refazer o aprendido. dominar a técnica. saber o que se faz e conseguir fazer tudo isso vezes sem conta. e depois, sim, criar. trazer para um sabor a memória, o que somos, o que queremos e o que sonhamos. colocar tudo nisso num prato, em vários, num toque ou num apontamento que faça a diferença. copiar será sempre algo a que vou fugir. ter uma ideia diferente. conjugar coisas. depois de ter aprendido as bases. acho que esse é mesmo o maior desafio e onde residem os detalhes que fazem a diferença. em cozinha não se pode descurar as coisas simples, óbvias, as técnicas básicas. nelas tudo assenta. e saber como as utilizar e quando faz toda a diferença. a criação vem, depois. construída sobre isso. fundamentada nisso. nessas coisas simples que dão sustento. que suportam tudo o resto que é risco. que é identidade do criador. daquele que está a pensar e a fazer. são coisas que não se podem separar. o básico e a criação. o pensar e o fazer. e aqui voltarei, sempre que possível, para partilhar as coisas vividas e, quem sabe, uns sabores para experimentar...