22/02/15

... regressar à cozinha ...


"virginia woolf: if i were thinking clearly, leonard, i would tell you that i wrestle alone in the dark, in the deep dark, and that only Iican know. only I can understand my condition. you live with the threat, you tell me you live with the threat of my extinction. leonard, i live with it too."

the hours, filme

... segundo "round". quase a começar. a pergunta: o que é que estás a fazer, continua presente. um pouco silenciada pelo lugar encontrado no meio de tudo. acompanha, este regresso, uma expectativa. agora, sim, verdadeira. expectativa. a história ensinou-me uma coisa que não esqueci. eisenhower descreveu tudo num pensamento. "hold". o mais importante na primeira batalha de uma guerra que se quer ganhar não é ganhar a primeira batalha. é, depois de ganhar, manter a posição. sinto isso, sem a nobreza de nada histórico. sem ninguém com quem falar sobre isto, sinto quase tudo num estado permanente de medo, dúvida e agora, expectativa. sei que tenho que dominar o básico. muito bem. sei isso e insisto nisso. depois, o que me define. sei que há um traço comum no que faço na cozinha. já o identifiquei. a importância do sabor e o rigor do simples. não será tanto o lado minimalista. mas é uma certa visão de que simples é melhor. sei que isso será o meu calcanhar de aquiles. talvez seja isso que preciso de aprender. a expectativa é mesmo essa. aprender. para além do óbvio mas com o domínio das coisas importantes. apresenta-se o desafio maior. e a tal expectativa, também. saber é sempre uma responsabilidade. sei isso. fazer mais e melhor é mesmo o desafio. depois, consolidar, num terceiro tempo. agora é mesmo tempo de ganhar força. calar a pergunta e a dúvida. e continuar. aprendi que a vida é sempre assim. é sempre preciso continuar. e quando se muda tudo por algo que se precisa descobrir tudo é sempre ainda mais difícil. exige o sonho, constante. que afaste a dúvida, a incerteza e o medo. a vida não espera. a cozinha, também não. recomeçar esta aventura é mesmo isso. encontrar nos outros, no lugar descoberto e o no que se deseja aprender a força para seguir o caminho criado. que seja um bom desafio. é isso que procuro. um verdadeiro desafio. "and let the games begin"...

21/02/15

... segredar na cozinha ...


... gosto de andy warhol. como gosto de kandinsky. há na beleza das coisas imaginadas algo de assombroso. a cozinha, hoje, é um lugar de superlativos. não sei a razão de pensar isto. mas há sempre em mim aquela frase que marcou o que sempre tentei ensinar aos meus alunos: keep it simple. deve mesmo ser defeito. é porque isso que, ao recordar os chefes que agora são meus mestres associo sempre a ideia de dominar bem, muito bem, as técnicas de base. tudo o resto é possível, partindo disto. para quem não tem esse domínio esse é sempre o primeiro passo. perceber a lógica de um creme, de um puré, de uma base. dominar a percepção das coisas para poder construir coisas novas partindo disso. e ao olhar para pratos criados, depois de aprender a fazer macarons e cremes, fiquei a pensar nisso. a exigência da cozinha está naquilo que picasso descrevia para a pintura. todas as crianças sabem desenhar. depois, desaprendemos. difícil é voltar a aprender, digo eu. deve ser o meu lado minimalista, que em quase tudo, se vai sobrepondo a tudo o resto, mas quando penso nas coisas que são colocadas num prato para degustação, penso sempre que há uma limpeza visual necessária. tal como no sabor. somos seres demasiado complexos no pensamento para também o termos que ser nos sentidos. no paladar em particular. maria antonieta, dizia um destes chefes-mestres, mandou vir da corte italiana os grandes pasteleiros que influenciaram a cozinha francesa. somos feitos destas misturas, não há dúvida. toda a cozinha é de fusão. ou como lhe quiserem chamar. mas a verdade é que a minha procura continua assente nesta ideia. as coisas simples são sempre as mais difíceis na cozinha. o resto, é o deslumbre que se procura pelo olhar. fiquei a pensar nisto...

20/02/15

... imperiosa conversa sobre cozinhar...


... explicar isto é complexo. a cozinha não é um lugar de paz. às vezes, quando observado todo o movimento, toda a transformação, todas aquelas imagens, tudo parece um lugar de desastre. não de erro, desse conceito, mas de desconstrução. o que chega é "desmanchado". desfigurado. desfeito. perdemos a noção das coisas como elas são. são produtos. ingredientes. coisas para criar outras coisas como se elas não tivessem valor em si mesmo no seu estado natural. queremos tornar "belo" o que é simples. embelezar a pedra para revelar a escultura. mas há nisto um misto de coisa bela e imensamente estranha. porque esquecemos o lugar natural das coisas. o seu sabor, a sua forma, a sua razão. o seu lugar, mesmo. queremos "transformar" tudo em outra coisa. ou dar outra forma. ou espantar. esta palavra é hoje uma das mais estranhas mas para mim sempre das mais presentes. a "cozinha espectáculo" ganhou forma sobre o manto de "desconstrução" das coisas. uma fatia de bolo tem que ser "desconstruída". um arroz de qualquer coisa, também. estamos impacientes com o natural estado das coisas. deixámos de saber olhar para o estado "natural" dos ingredientes e encontrar beleza nisso. ou espanto. precisamos de criar e recriar tudo. a cozinha não é um lugar de paz por isso mesmo. estamos, tantas vezes, em contramão com a natural beleza de um sabor. precisamos do lugar do espanto ao comer pois o mundo é, cada vez mais, o lugar da ilusão. e com isto vamos nos afastando de nós mesmos. sem darmos por isso. ou de forma alienada. como em tudo o resto, deixamos só as coisas irem nesse caminho. porque os sentidos precisam da ilusão mais do que do espanto. talvez o caminho nos mostre que, na cozinha, como no resto, a natureza das coisas, a sua essência, tem tudo o que é preciso sem a nossa sapiência de "desconstrutores" universais...

... coelho e outra coisa ...

...às vezes, no meio dos dias, alguma coisa liberta. penso em pessoa. no seu desassossego. para me libertar. ou para ficar retido no pensamento. o sabor, um sabor, liberta. a confecção, ainda mais. é estranho isto. demasiado estranho. o silêncio das coisas a fazer. o pensamento que se constrói. é o solidão que liberta. por mais estranho que isso possa parecer...

"são as pessoas que habitualmente me cercam, são as almas que, desconhecendo-me, todos os dias me conhecem com o convívio e a fala, que me põem na garganta do espírito o nó salivar do desgosto físico. é a sordidez monótona da sua vida, paralela à exterioridade da minha, é a sua consciência íntima de serem meus semelhantes, que me veste o traje de forçado, me dá a cela de penitenciário, me faz apócrifo e mendigo."

fernando pessoa


coelho à três amigos
60 minutos
ingredientes
1 coelho bravo
cebola
alho
noz moscada
açafrão
vinho branco
manjerição (seco e fresco)
oregãos frescos
arroz

receita: faça um refogado com a cebola e o alho picado. junte o manjerição seco e o açafrão. refresque com vinho branco. junte o coelho cortado e limpo. tape o tacho por alguns minutos e deixe ficar em lume baixo. volte a rectificar com vinho e tempere com sal e pimenta. junte uma pitada (pequena) de noz moscada. refresque novamente com vinho branco e deixe cozer o coelho durante algum tempo até ficar tenro. vá rectificando com água ou vinho branco. coloque, quase no fim de estar cozido os oregãos frescos. junte o arroz e deixe apurar tudo até estar pronto. sirva quente.

dica: pode acompanhar com bróculos salteados ou grelos. acompanhar com um vinho tinto generoso.

... os sabores da terra, de terra, que esquecemos são lugares nossos conhecidos. misturam-se na boca. refazem a lembrança das coisas simples. são, como a amizade. um porto de abrigo. onde sabemos que as coisas vão correr bem. mesmo quando, impera em nós, toda e qualquer dúvida imperativa. é nestas coisas que a cozinha se revela como algo de salvador. nem que seja por breves momentos...

18/02/15

... deslumbre do sabor ...


... "i have got to find the river". dizem que se deve procurar. ou talvez nunca ninguém me tenha dito e por isso eu procure sempre. em modo contínuo. uma procura incessante. desgastante. cozinhar é uma procura. quem disser o contrário não está a falar a verdade. é tudo fugaz. fazer e comer. só a memória fica. raramente fica mais alguma coisa. só a memória. de um sabor. só isto. e não há nada de mais importante do que isso. aquela memória, daquele sabor. e andamos deslumbrados pela cozinha feita espectáculo, feita transcendência, feita fusão ou que ultrapassa todos os limites e esquecemos isso. talvez seja porque toda a minha vida procurei. não sei ainda o quê. sinceramente, não sei mesmo. mas procuro. e vou continuar a procurar. não sei o quê. é estranho isso. procurar, qualquer coisa sem se saber o que é. mas se, ao longo da vida, rompi muitos impossíveis com o custo pessoal que isso me foi trazendo, é na cozinha que encontro esse rio. aquele da música que ouvi vezes sem conta quanto era adolescente. talvez seja isso que procure na cozinha, agora que a ela estou ligado. um rio. a memória da água, do som, do descanso, da paz, do isolamento do mundo. este lugar de memórias tem essa vantagem. podemos estar sempre a criar. rios, mares, deslumbres. mas todos, nos mais pequenos detalhes ou nas maiores construções são feitos do que fomos. do que somos. é estranho tudo isto. uma viagem densa demais. como um sabor que é uma memória que fica. em alguém. em alguma coisa. o mais importante é sempre o sabor. não. o mais importante é sempre a memória que fica de um sabor que se provou. não. o mais importante é a memória do que fomos quando um sabor se tornou um lugar seguro de onde não quisemos, um dia, partir. talvez seja isso. isso tudo...

... o lugar na cozinha ...


... perceber que tudo muda. que podemos encontrar um lugar no mais estranho dos espaços. quebrar um rumo de vida. saber que esse rumo tinha tido sucesso. e começar tudo, de novo, num lugar que nos é estranho. descobrir que perdemos a alegria. saber que as forças já não são as mesmas. mas que, passadas cinco semanas de trabalho intenso, há um lugar, talvez, para nós naquele infernal espaço que nos era desconhecido. ter sobrevivido. experimentar coisas que nunca tinham sido feitas. a vida tem destas coisas fantásticas. um exame com a criação de uma sobremesa que parecia coisa de adamastor uns meses antes. em duo. em parceria. ter que ceder. ter que aprender. ter que criar compromissos. finalizar tudo a tempo e horas. ficar feliz por isso. dias e dias de trabalho contínuo. desgastante. definir uma forma de fazer as coisas. fazer mais exames. práticos. cortes disto e daquilo. fazer uma manteiga que não sabia o que era. tentar. saber que se sabe fazer muito melhor do que se fez mas naquele dia, naquela hora, não se fez. porque há dias em que as coisas correm bem e outras em que não. sem explicação possível para isso porque a técnica é a mesma. mas simplesmente não vão sair bem. sentimos isso logo no primeiro golpe da faca. recordar o que ouvimos de um chefe. são aqueles primeiro segundos. em que sabemos isso. se vai tudo correr bem ou mal. ter que gerir o cansaço. ter que gerir a frustração de não conseguir fazer tudo. de não dar atenção a tudo como se queria. saber que se sabe muito mais. e que se consegue fazer muito melhor. aprender com uma pergunta teórica num exame uma coisa que depois se coloca em prática. a noz moscada no molho bechamel. nunca mais se esquece isso. era só uma pergunta de "cruzinhas". mas não era. era muito mais do que isso. era um sabor. perceber novamente que tudo muda. e que cada dia é um dia diferente na cozinha. olhar em volta e reconhecer os lugares dos outros. dos colegas. respeitar cada um deles nesse seu lugar. e no seu saber. o que traziam e o que aprenderam nestes tempos em conjunto. perceber que se aprendeu tanto sem "dar por isso". agradecer, sem o dizer, a cada chefe que ensinou tudo o que sabe da forma como sabe. agradecer, sem o dizer, ao colega que dá um abraço de amizade conquistada naquele espaço estranho e de coisas imperfeitas. ou agradecer a pergunta que nos faz sentir que sabemos algo mais. ou que confiam na nossa opinião. o lugar de dúvida é na cozinha. as certezas são os detalhes. os deuses, os diabos, as sortes ou o que quiseram tantos já chamar está nos detalhes. as certezas, também. e a cozinha é o lugar de tudo isso. foram cinco semanas impossíveis. fecharam o tempo das coisas previstas. ou dos lugares por descobrir. há um lugar na cozinha. aquele, onde nos sentimos bem. aprender isto, foi encontrar uma certeza. um detalhe, talvez, mas que faz toda a diferença. e isso é bom...

08/02/15

... às vezes, a cozinha não é...


... gosto de aprender. que me ensinem. e gosto de experimentar coisas que ainda não sei fazer. combato, com isto, o medo. a pior coisa que pode existir para quem está a começar a aprender a cozinhar é o medo. a dúvida é outra coisa. a dúvida há sempre. mesmo sabendo. reparo vezes sem conta em quem ensina e nas dúvidas que vai tendo. depois, a experiência ajuda. faz com que tudo desapareça. a dúvida permanece. até ser servido, um prato, é uma incógnita. é talvez aí que reside o mistério de tudo. nesse momento em que tudo se conjuga. é curiosamente isso que nunca "aparece" na televisão. quem for para a cozinha, aprender, a pensar que é como nos "filmes" irá perceber logo que o que falta é mesmo esse momento. o não saber no que vai dar aquilo que, por muito bem planeado, depende das mãos. do momento. do tempo, do cuidado. da precisão. da sorte. é tudo isso conjugado que define esse momento. não é se está bom ou mau. é se está como foi imaginado. pensado. desejado. e quando se trabalha em equipa ainda mais complexo é. porque o imaginado por um tem que ser feito por muitos. muitas mãos. dilui-se a individualidade de cada um para se elevar a ideia do que há para fazer. é estranho isto. porque, talvez, na cozinha, esse seja o maior desafio de todos. a diluição da individualidade para a consagração de uma ideia que é um resultado criado por alguém, imaginado, e que tem que ganhar forma e sabor nas mãos de muitos. é por isso que é tão fascinante esta ideia de chamar a um grupo de pessoas que está numa cozinha uma "brigada". é curioso que a palavra brigada tem origem no conceito "romper ou separar". mas também de trabalhar. porque estar nesse grupo é dissolver a individualidade para uma criação comum. não é perder. é usar. é saber usar e encontrar o nosso lugar. na cozinha há lugar para tudo e para todos. mas é preciso encontrar esse espaço onde estamos bem. onde podemos ser quem somos, como somos, com o que sabemos mas saber que temos que colocar tudo isso ao serviço do que há para fazer. é uma lição de vida. imensa. porque é, talvez, a maior dádiva que podemos pedir a alguém que seja quem é para uma construção, uma fazer, um produto final comum. aprender isto é talvez olhar para o lado bom da cozinha. do outro, do outro lado, que também há, reservarei o pensamento para um texto a ele dedicado. fiquemos, por enquanto, espantados com essa revelação. mesmo que breve. mesmo que incompleta. mas que se evidencia cada vez mais no que é, hoje, criar cozinha...

... quiche de domingo ...

... às vezes o domingo é o único tempo de silêncio que existe. de pausa. de sossego. de repouso. às vezes, nem isso. nem esse tempo resta. ou existe. por isso, é a poesia que salva. quando chega domingo. oiço vezes sem conta o começo do poema. as coisas mais belas. uma delas, o almoço. às vezes, também sem tempo. a correr, também. ou feito com pressa porque tudo está atrasado. às vezes, no domingo. 
«penso isto, e vou a grandes passadas... 
e um domingo parei numa praça
e pus-me a gritar o que sentia, 
mas todos acharam estranhos os meus modos 
e estranha a minha voz...»

manuel da fonseca



quiche de domingo
60 minutos
ingredientes
massa quebrada
 50g frango
50g toucinho
50g feijão verde
50g pimento verde
50g milho
50g cenoura
50g queijo
200g natas
3 ovos
manjericão

receita: forre uma forma de tarte com a massa quebrada depois de untar. coza o frango e desfie. corte todos os ingredientes para o recheio da quiche em cubos pequenos. saltei o frango com o toucinho numa frigideira. não lave e saltei-e os legumes misturados refrescando com vinho branco. coloque na forma já com a massa quebrada o frango e o toucinho. depois o queijo cortado também em cubos pequenos. depois de saltear (durante o tempo necessário para quase ficarem cozidos) os legumes coloque por cima dos ingredientes anteriormente dispostos. junte as natas com os ovos e tempere com sal, pimenta e manjericão. verta o preparado anterior para a forma de tarte de forma uniforme. leve ao forno a 180º até ficar dourado/pronto.

dica: sirva com um vinho branco fresco.

... é sempre o tempo que temos, como a poesia que temos, que nos prende ao presente. nem que seja por uns segundos. ou por uns instantes. demorados no cansaço que impera. ou para o desfazer. o sabor ajuda. a conversa, incompleta, sempre, demora-se. como quase tudo o resto. fica imperfeitamente feito. porque é domingo e ao domingo todas as coisas são sempre imperfeitas. mesmo não parecendo...

07/02/15

... é tanta coisa ...


... é fazer uma coisa complicada e parecer simples. é fazer uma coisa simples e parecer complicada. é nunca ter pensado naquilo. é criar algo novo. é ser avaliado por isso por alguém que mereceu o nosso respeito. é reconhecer o saber num chef. é rir de uma piada ou de um erro. é perceber que um erro comprometeu o trabalho de horas e dos outros. é tentar fazer melhor. é tentar não fazer pior. é mal de sofrer de "perfeccionismo agudo". é saber como se faz e não sair como quero. é não saber como se faz e aprender. é pedir para provar e alguém dizer: está bom. é pedir para provar e alguém dizer: não está bom, falta isto. é a pressão de criar um empratamento em segundos. ou uma sobremesa com "o que há". é ter que dar um abraço a um amigo que precisa no meio de um dia de caos. ou parar tudo porque é preciso ir ajudar quem está a precisar. é sentir cheiros, sabores, ritmos. é alguém que nos chama para uma dúvida como se fosse importante a nossa opinião mesmo estando todos no mesmo nível e no mesmo barco. é ter orgulho no que se enviou para ser "degustado" ou pensar que se podia ter feito muito melhor. é pensar e não pensar. é saber fazer algo apenas por experiência. ou saber fazer em teoria e nunca o ter feito na prática. é cair um prato ao chão e ter que começar tudo de novo. é estar cansado demais mas saber que é preciso continuar. é a pausa em que alguém também nos fala do cansaço. é sentir o dever de fazer as coisas que há para fazer, sempre. vencendo o cansaço com mais cansaço ainda. é perceber que já se aprendeu muita coisa mesmo sem dar por isso. é saber onde estão os ovos, o limão aberto ou qualquer coisa porque aquele espaço já é nosso, também. é pedir ajuda. é dar ajuda. é olhar em volta e pensar que se está num cenário apocalíptico. é resolver uma necessidade em segundos. ou simplesmente ter uma pausa para provar uma "sopa de milho" que lembra a infância de alguém que admiramos pela forma de fazer as coisas. ou o sorriso de um chef que dá confiança por ser um sorriso aberto, limpo e sábio. alguém que diz, sem dizer, que tudo vai correr bem. é isto, e muito mais, aprender a cozinhar. 


... criação em sobremesa ...


bolacha de limão
gelatina de frutos vermelhos
semi-frio de castanha
bavaroise de chocolate
curd de uva e moscatel

01/02/15

... desencontrar a beleza ...


... não há beleza na cozinha. há beleza na criação. no criar. no gosto que colocamos em servir outros. a cozinha é visceral. despida de lugares de encanto. o encanto está no encontro. das coisas. das cores. dos sabores. dos cheiros. é preciso uma constante inocência no acto de cozinhar. um constante "não saber". descobri isso por observação. há tudo menos certezas. e quem se julga certo, ou com saber adquirido, esquece o lugar de espanto. e com isso, o que os outros podem trazer de novo. mesmo que seja só regressar ao simples. a arrogância, na cozinha, é o lugar do erro. mas partilha-se pouco. muito pouco. somos todos donos de pequenos segredos que não contamos uns aos outros por medo ou desventuras passadas. ou quando contamos não dizemos como fazemos as coisas. só o registo do sabor passa. dizer como se faz é muito mais difícil do que dizer que a algo falta alguma coisa ou que já fizemos muito melhor. é como em tudo, na vida. no trabalho. os redutos, na cozinha, são sempre os lugares dos segredos e daqueles que se acham estrelas ou acham que correr para um prémio é mais importante do que colocar verdadeiro encanto partilhado na mesa de alguém. tudo é de uma brutalidade aguda, na cozinha. já o escrevi aqui um dia. muito mais quando não se percebe que o que fazemos já alguém o fez. e partilhar o que se sabe não é um acto de bajulação ou falsa empatia. é sim, a essência que nos permite evoluir. ser melhores. custa, porque perdemos parte do que sabemos. mas obriga sempre a ir descobrir novas coisas. a dar um passo em frente. deixar o que sabemos é tão importante como descobrir o que nos falta saber. aquele sabor. aquela beleza para entregar aos outros. cozinhar é uma procura constante pelo desconhecido. no meio da brutalidade. da terra queimada. dos outros que se acham sempre excepcionais em qualquer coisa. é atravessar isso e deixar muito mais do que se se leva. nem que seja só essa, que seja essa a nossa marca. porque é sempre preciso procurar o sabor porque a beleza é sempre para os outros que não vemos...



... bolachas d'encantar ...

... esquecemos os sabores simples. andamos à procura de uma sofisticação que não existe. sempre à procura da surpresa em vez do deslumbre. ver, de poucas coisas, nascer algo simples é tão deslumbrante como qualquer outra coisa. procuramos sempre a revolução e esquecemos a base. que o sabor é mais importante do que tudo o resto. aquele sabor. simples. limpo. como um rio. como uma água limpa onde podemos ver tudo. às vezes, esquecemos isso. e às vezes, uma simples bolacha pode relembrar tudo isso.

«dear leonard. to look life in the face, always, to look life in the face and to know it for what it is. at last to know it, to love it for what it is, and then, to put it away. leonard, always the years between us, always the years. always the love. always the hours.»
the hours, movie



bolachinhas d'encantar
ingredientes
100g de manteiga
100g de açúcar
250g de farinha
5g de fermento
1 ovo
5g de aroma de limão ou raspa

receita: num recipiente misturar bem a manteiga derretida e o açúcar. peneirar a farinha e o fermento e adicionar/misturar. adicionar o ovo e misturar até ter uma massa uniforme. juntar, por fim, o aroma de limão ou as raspas. esticar a massa e cortar com formas divertidas. levar ao forno a 180º até corarem.

dica: servir com sumo de laranja fresco.

... são sempre as horas que nos levam os pequenos prazeres. as pequenas coisas ditas ou feitas com atenção. é o somatório de todas essas pequenas coisas que fazem sempre a diferença. nem que seja só o tempo tirado aos dias a correr para fazer umas bolachas e sorrir um pouco mais. nem que seja pela forma simples e pelos cheiros. pelos sabores antigos que se revivem. só por isso, vale a pena.