30/01/16

... fim de um tempo ...


«...aprendamos um pouco, isso e o resto, o próprio orgulho também, com aqueles que do chão se levantaram e a ele não tornam, porque do chão só devemos querer o alimento e aceitar a sepultura, nunca a resignação...»
josé saramago

... quando terminei, há mais de duas décadas, um ciclo de aprendizagem uma professora que ainda hoje relembro perguntou: o que quer ser? respondi: ermita e viajante. ninguém queria ser nem uma coisa nem outra. a resposta deu-me direito a ir ter apoio na escolha para o futuro do medo que a minha loucura fosse real. hoje, terminando um tempo, novamente, de aprendizagem, desta vez na arte de cozinhar com referências e memória, sinto o mesmo. que o caminho que vou fazer e que fiz foi sempre guiado por estas duas linhas. esta minha essência. ermita e viajante. foi um tempo de reclusão em mim mesmo. um tempo de reflexão. de encontro com aquilo que deixei (e foram décadas de trabalho, ensino e investigação) e com os caminhos que se abriam pelos aromas, sabores e saberes que queria e quero descobrir. não consigo estar na cozinha sem o estudo. sem saber o que estou a fazer e porque o estou a fazer. sem a história das coisas a que chamamos típicas. sem a genuinidade de tudo isso. sem saber explicar cada coisa que crio. aprendi. sinceramente, neste ano e pouco, aprendi. por duas razões. porque estudei. e porque perguntei. depois, observei. pedi para me ensinarem quando não sabia. por isso, aprendi. pensei sempre. porque me deram, chefes e formadores, do seu tempo e da sua experiência aquilo que sabiam. o que sabem. nunca me disseram que não. aprendi e devo-lhes isso na cozinha que farei. a eles e para eles fica a minha gratidão por isso. aos colegas, a viagem. a companhia da viagem. as conversas e as partilhas. tudo junto fez com que a alma da cozinha fosse invadindo a minha vida. fosse tomando um lugar que não mais desocupará. não sei, findo este tempo, se cozinho bem ou mal. isso pouco importa. sei que cozinho para os outros antes de o fazer para mim. sei que cozinho com razão e saber. sei que usarei sempre a jaleca branca de aprendiz. sei que é à raiz da cozinha típica que irei sempre buscar a lógica de tudo o que venha a fazer. sei que o sabor não existe mas se lhe dermos uma essência ele prevalecerá sobre todas as outras coisas. sei que nunca deixarei de amar a nobre arte de cozinhar. se isso faz de mim um cozinheiro, não sei. nunca saberei. isso faz de mim alguém que estará sempre em viagem. real ou interior. mas sempre à procura. a tentar aprender. a estudar. e depois, depois na solidão do pensamento, entregarei aos outros aquilo que sei, em forma de comida. em forma de um prato criado, de uma iguaria imaginada, de uma criação. de um salgado ou de um doce. que seja reconforto para a alma, dos outros. que seja, alegria, nem que seja por um instante. que roube o desejado sentimento: isto está bom! ermita, a cozinha será o meu refúgio. sempre. lá sinto-me em casa. como se fosse possível tal coisa. devo, à vida tudo o que me deu até agora. e aos mais próximos, uma imensa dívida de gratidão por caminharem ao meu lado. num tempo mais difícil do que alguma vez podia ter imaginado, foi por eles esta travessia. mas também é para eles, sempre, em primeiro lugar, o sabor e a presença. agora. e sempre. a cozinha, essa, continuará na minha vida. seja profissionalmente, seja como lugar de refúgio. porque é a minha alma que dela depende. as mãos, que aprenderam, sabem agora isso melhor do que qualquer outra coisa. que seja assim e se abra o futuro. cá estaremos para o encontrar, como eterno ermita, viajante e aprendiz...

27/01/16

... isto também é cozinhar ...


«... a esse quem o poderá prender e fixar para que pare um momento e arrebate um pouco o esplendor da eternidade perpétuamente imutável, para que veja como a eternidade é incomparável, se a confronta com o tempo que nunca pára? compreenderá então que a duração do tempo será longa, se não se compuser de muitos momentos passageiros. ora estes não podem alongar-se simultaneamente...»
santo agostinho

... ao lume. a brasa. a chama. o pote. as castanhas, as carnes fumadas. um caldo. isto também é cozinhar. não se ensina. mas é. vem de outro tempo. e de outro modo de vida. curiosamente, um luxo, hoje. cinco horas e meia para fazer uma "sopa". fechar um ciclo de aprendizagem assim é, para mim, um privilégio. a origem do que chamamos de "sabor" está ali. sempre esteve. é um lugar onde se chega quando se procura. fiz uma travessia, chamo-lhe. a este tempo. uma travessia. e isso implica duas margens. uma de onde se parte e outra onde se chega. depois vem a caminhada que se segue. a minha travessia deu para pensar o caminho que se quer fazer. de esse caminho se tornar razão. ser aquilo que nos define. para que, findo o atravessar entre margens, colocando pé em terra firme, poder afirmar-se: é por ali que vou seguir. e é pela cozinha tradicional portuguesa que vou seguir. corrijo. pela cozinha típica portuguesa. urbana ou rural. fina ou rude. sofisticada ou simples. aquela que apela à nossa raiz de existência. ao que sabemos como nosso. a forma, bela ou moderna não importa. importa a essência. descobrir isto foi descobrir tudo o que pode ser um luxo no futuro. porque, por mais estranho que possa parecer, é um luxo encontrar produtos genuínos, tempo e saberes verdadeiramente ancestrais com os quais podemos fazer uma cozinha portuguesa. é esse o caminho que seguirei. nessa demanda. numa incessante e inquieta busca e prática. sei-o agora. feita esta travessia. encontrar esse caminho não faz de mim cozinheiro. nem de longe nem de perto. o que o poderá fazer é o caminho por fazer. e esse, começa, agora...

26/01/16

... antigamente, novamente ...


«...se fecho os olhos sinto logo esta mão áspera e enorme que me leva na noite húmida e cerrada. não vejo o mar, mas envolve-me e penetra-me o hálito salgado e ouço-lhe ao longe o clamor. no primeiro plano ecoa o desabar ininterrupto, depois, lá ao fundo distingo outra voz mais rouca e para além um lamento que não cessa, donde irrompe de quando em quando um grito. de noite apaga-se o mundo e só esta voz enche o mundo..»
raúl brandão

... são sempre últimos os dias que vivemos. conto o tempo por momentos. este, mais um, na travessia da vida. um que soma. que colocou mais, em mim. que me refez. a cozinha tem todos os segredos do mundo, agora. fiz uma travessia. sou um homem da cidade. na mesa de minha casa serviam-se suflés, cremes, refinadas iguarias de sabor e bom gosto. nelas cresci. na mesa enquanto cerimonial. enquanto hábito familiar. daqui bebi e bebo sempre a inspiração para cozinhar. o bom tem que ser belo. este tempo foi de travessia. porque fui à procura. fiz uma viagem no país e dentro de mim mesmo. fui procurar a raiz das coisas. sempre precisei disso. de perceber. de entender. de conhecer. o fazer por fazer nunca fez sentido para mim. fui numa viagem neste tempo de cozinha. da sofisticação de uma gastronomia urbana, de lisboa e porto, do luxo de uma mousse de vinho moscatel acompanhada de uma redução do mesmo vinho até ao mais simples que se pode fazer como uma tomatada à alentejana ou um caldo de fumeiro feito ao lume. antes de me aventurar no mundo precisei de conhecer essa terra. a minha. pelo sabor. fiz, criei, recriei. retive receitas. estudei muito. fui conversar. falei, vi fazer como se fazia há quarenta ou mais anos atrás. pedi para fazer. revi o que sabia enquanto comensal agora do ponto de vista de quem tem que cozinhar com respeito e memória. sabendo o que está a fazer e porque o está a fazer assim. é tão difícil fazer um caldo num pote de ferro como é cozer algo a baixa-temperatura num equipamento desenhado pela ciência, disso não tenho dúvida nenhuma. mas a mim, como aprendiz, importava a cozinha de raiz. aquela sem artimanhas. sem mais nada que não seja o tempo e a natural condição de ser feita naturalmente. seja ela urbana ou rural. seja ela elaborada ou simples. seja ela feita em forno a lenha ou eléctrico. foi uma procura que continuarei. pela cozinha do meu país. com os produtos de perto. feitos por mãos experientes que passam de geração em geração. fugindo da industrialização da memória e da tradição. há num sabor genuíno algo de espantoso. algo que já nos fomos desabituando. são os dias para parar e pensar nisto. e terminar, por agora, esta viagem de quem aprende com um caldo de castanhas e carnes de fumeiro que representam tudo aquilo que esta viagem me fez ganhar nas mãos. que seja este o começo. porque o que sabemos agora é que o sabor é uma miragem mas a memória é tudo o que temos para salvar da nossa cozinha. bela e boa. sempre...

25/01/16

...queijadinhas da perdição...

... comi estas deliciosas guloseimas vezes sem conta sempre feitas por outros. é daquelas coisas que nos colocam em comum com a simplicidade da cozinha e o espanto que dela resulta quando as coisas funcionam bem. é preciso perceber, para fazer uma coisa destas que nada tem de complexo, que a cozinha é um lugar de detalhes. e neste caso, todos eles contam...

«...no meio do caminho uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra

nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra..»
carlos drummond de andrade


queijadinhas da perdição
ingredientes
500 ml de leite gordo
250 gr de açúcar
2 ovos
100 gramas de farinha
50 gramas de manteiga
raspa de uma laranja
uma folha de hortelã

receita: ferva o leite com a folha de hortelã e uma casca de laranja. deixe arrefecer totalmente. pré-aqueça o forno a 200.º graus. bata os ovos com o açúcar até estar tudo bem ligado. derreta a manteiga e junte. depois de estar tudo bem ligado junte a farinha peneirando sempre. junte, no fim o leite que deve estar frio. deite o preparado em formas untadas com manteiga e coloque num tabuleiro com água para serem feitas em banho-maria. deixe cozer por 45/50 minutos. quando estiverem douradas retire. deixe arrefecer. desenforme.

dica: faça uma geleia de tomate e uma de laranja e coloque em cima de cada queijadinha. ajuda a reforçar o sabor. se não gostar, polvilhe com açúcar e canela.

... as coisas doces são lugares de perdição. estas, simples, vão sendo afastadas para dar lugar a outras mais complexas e, por isso, mais decoradas e perfeitas. mas nada há mais perfeito do que ver que estas iguarias vão desaparecendo sempre porque os comensais a elas voltam para repasto e reencontro. às vezes, mas só às vezes, as coisas simples, simplesmente, bastam...


... da ilusão ao sabor ...


camarão, bacon e pesto em taça de esparguete de citrinos

atum, espargos, chip de anchova e cogumelos e suspiros de soja


bacalhau a baixa temperatura, espuma de salsa, gel de água de tomate e gelado de azeite


explosivo de gengibre e beterraba com amora e framboesa e ar de manjerição

pato confitado com 5 pimentas com mil-folhas de batata, puré de aipo, gelatina de laranja e redução de vinho do Porto

«... há ou não um infinito fora de nós? é ou não único, imanente, permanente, esse infinito; necessariamente substancial pois que é infinito, e que, se lhe faltasse a matéria, limitar-se-ia àquilo; necessariamente inteligente, pois que é infinito, e que, se lhe faltasse a inteligência, acabaria ali? desperta ou não em nós esse infinito a ideia de essência, ao passo que nós não podemos atribuir a nós mesmos senão a ideia de existência? por outras palavras, não é ele o absoluto, cujo relativo somos nós?...»
victor hugo

... um dia alguém me disse: já viste que a realidade já não basta? esta frase ficou-me presa ao pensamento durante muito tempo. de tempos a tempos regresso ao que representa. essa ideia que já não nos bastam as coisas como são. procuramos o magnífico por via da ilusão. chamamos a isso, modernamente investidos de uma constante necessidade de procura do "novo" de: experiência. experiências. é disto que hoje a cozinha contemporânea vive. do "novo" das coisas que provocam qualquer coisa de inédito. impossível de replicar no dia-a-dia. como se o cozinheiro fosse um alquimista. um mágico. falta-lhe aquilo que defendo. conforto. às vezes, vezes sem conta, precisamos de nos refazer do correr da vida. se esta cozinha é feita de momentos o que precisamos, acima de tudo, é de lugares onde voltar. e de certezas. e de conforto. o tal elemento que quase sempre falta. tenderei a procurar como o colocar, neste lugar, esse elemento. como alguém que será sempre um aprendiz. do tempo e da cozinha...

20/01/16

... aquele lugar mágico ...


«... apesar da idade, não me acostumar à vida. vivê-la até ao derradeiro suspiro de credo na boca. sempre pela primeira vez, com a mesma apetência, o mesmo espanto, a mesma aflição. não consentir que ela se banalize nos sentidos e no entendimento. esquecer em cada poente o do dia anterior. saborear os frutos do quotidiano sem ter o gosto deles na memória. nascer todas as manhãs...»
miguel torga

... às vezes penso no tempo que em mim habitava aflição e o espanto. depois, aos poucos, a vida e o conhecimento tomaram tudo em jeito de conquista bárbara. roubaram esses lugares e deixaram a terra queimada. a cozinha trouxe de volta, por breves instantes, esse espaço de tempo feito lugar das coisas por descobrir. é imenso o mar. imenso e sempre diferente. e ao ser acompanhado no desejo de experimentar percebo o quão imensa é esta aventura de aprender constantemente a cozinhar. é quando dizemos: eu faço assim e alguém nos diz: experimenta desta maneira. vamos vendo o confronto com o que desconhecemos até então. aceitamos isso como mais alguma coisa que nos passa a pertencer. e quando olhamos alguém, infinitamente mais novo, a desafiar a lógica das coisas por pura curiosidade e sentido de descoberta vem até ao sangue aquele calor que nos fez, um dia, olhar o mundo com olhos de espanto. percebemos e acompanhamos. sabemos os passos. sabemos a sua forma e o seu sentido. felizmente que assim é. e que não negamos, por nostalgia ou abandono, cada instante destes. é o que faz a magia da cozinha. do experimentar. do ir por caminhos por onde ainda não se foram. é um desafio muito maior do que só confeccionar um prato. é um desafio de trazer para as mãos a curiosidade perdida. há nisto, só nisto, toda a magia do mundo...

18/01/16

... a loucura da cozinha ...


«...não tenhas medo de estares a ver a tua cabeça a ir directamente para a loucura, não tenhas medo! deixa o medo! deixa-a ir até à loucura! ajuda a ir até à loucura! ajuda a ir até à loucura! ajuda-a a ir até à loucura. vai tu também, pessoalmente, com a tua cabeça até à loucura! a tua cabeça até à loucura!...»
 almada negreiros

... vivemos neste tempo das coisas mais belas. a cozinha procura o belo. tal como, alguns dizem, procura o sabor. sempre o tal sabor. sem ninguém saber ao certo que isso é. é, para mim, hoje simples o que é isso que alguns nos querem vender como belo e bom. é a fuga. o sair. da loucura do quotidiano. da comida que se come. quer-se surpreender. tirar do correr dos dias. levar o comensal a outro lugar. para outro espaço. do impossível. aquele que não se consegue no dia-a-dia. porque o belo exige o tempo inteiro. a dedicação. a coisa feita com coisas que não se conseguem ter em casa. com sabores que não se conseguem criar em casa. é vender a ilusão de uma nova coisa real o que se faz quando se cria um menu de degustação que agora ganha o epíteto de experiência gastronómica. em tudo se vendem experiências. como se a vida não fosse a maior de todas elas. e o tempo, que não existe, não fosse só a nossa medida para somar e dar sentido a essa linha de cortes sucessivos que nos fazem ser quem somos. as experiências. quando isto chega à cozinha, aos momentos e às criações, sabemos que não estamos a vender comida. e agora que tenho por obrigação pensar assim também, penso nisso. não é comida o que ali está. é um universo alternativo. um doce pecado de imortalidade como diria o poeta. é isso que fica em cada prato. porque não será repetido. porque é só isso mesmo, um nada. uma coisa nenhuma transvestida de coisa alguma em forma de experiência. torna-se o mundo redondo assim. vai-se ao restaurante para provar momentos. coisas às quais esperamos a alma e a alegria que nos faltam. esquecemos que é na certeza das coisas simples que reside a nossa razão. aquilo que nos dá a razão. naquele jantar no restaurante de família com a mousse de chocolate que é a mesma desde que temos memória. há lugar para tudo. até para esta cozinha experiência. sinais dos tempos, frutos dos tempos sem memória e só somatório de instantes. sem ligação. que o menu pede e exige, existindo para o cumprir. mas no final, depois de fechadas as portas, o dia espera quem a ele regressa. que seja fuga, então. e assim se cozinhe. para que não seja só, talvez, um instante de alegria no meio disto tudo que é vida...

16/01/16

...keep it simple ...

... às vezes, precisamos de todos os sabores. de cada coisa o seu sabor. uma coisa simples que nos conforte. algo que nos faça lembrar a conversa. quando estamos sós. a sós. que nos lembre o outro. a frase sempre dita. o sorriso maroto. a lógica simples das coisas. a fome que se mata. como a conversa que se habita. fazer uma coisa assim é sempre isso. procurar a mais simples das coisas para lá morar por um breve instante...

«...o modo mais precário de ser mais permanente
 de tentar tanto mais quanto menos se tente
 de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente
 de estar mais no passado se mais no presente
 de não se ter ninguém e ter em cada homem um parente
 de ser tão insensível como quem mais sente
 de melhor se curvar se altivamente
 de perder a cabeça mas serenamente...»
ruy belo


"sandwich" kiss (keep it simple)
ingredientes
pão
tomate
mostarda
mel
agrião
orégão
queijo
ovo
azeite
alho
linguiça
maionese
cebola
manteiga c/ sal
sal e pimenta

receita: corte o pão em duas metades. leve ao forno para aquecer e depois, numa frigideira torre a base. na base do pão coloque o tomate cortado finamente. pique um dente de alho e tempere o tomate com o dente de alho picado, sal e pimenta. coloque, depois, por cima, umas folhas de agrião. por cima das folhas coloque umas fatias de queijo muito finas e tempere com azeite. na frigideira passe a linguiça cortada ao meio por um pouco de manteiga. coloque a linguiça em cima das fatias finas de queijo. faça um molho com a maionese, a mostarda e o mel e coloque um pouco entre as fatias de linguiça. escalfe um ovo e coloque para finalizar a sandwich. coloque a parte de cima do pão que deve ser salpicada com azeite e folhas de orégão. 

dica: antes de servir leve ao forno bem quente mas por muito pouco tempo para não secar a gema de ovo. sirva acompanhado com umas batatas fritas em palitos.

... às vezes, basta apenas juntar o que se tem. o tempo, o desejo de agradar, as coisas que nos fazem bem à alma. sem grande esforço. só mesmo aquele desejo de saber que vai saber bem. que as coisas vão saber bem. porque cozinhar é oferecer cuidado. um cuidado com os outros antes mesmo de que connosco. é um gesto de oferenda. de oferta. e isso é o mais simples que há. e como todas as coisas simples é sempre muito difícil de fazer...





... conforto e beleza ...


«... a casa da alma tem uma janela aberta para o horto dos incêndios. é uma morada silenciosa, iluminada a partir de dentro - onde os dias se vão escoando na procura de um gesto exacto, de uma terra que desate a arder, de uma água límpida ou desta vegetação que explode do interior do sonho...»
al berto

... são as pequenas imperfeições em que penso agora. nos detalhes. no final, para o belo ser perfeito. isto foi-me ensinado. feito sangue em mim. a pastelaria/doçaria era um lugar que desconhecia. no qual habitavam adamastores imensos num mar que nunca pensei ousar atravessar. depois, com mestria imensa fui guiado. fui levado de descoberta em descoberta. de desafio em desafio. inquietei a mente e o corpo. revelou-se um tempo de dedicação. um lugar de espanto. percebi a lógica da oferta do conforto e da beleza. ambos procurei toda a vida. a beleza, quase sempre efémera é-o ainda mais nesta coisa de oferecer coisas doces "para o caminho". no fim. no finalizar de um momento de viagem à mesa. o conforto é sempre uma forma de dar algo a outro maior do que a vida que corre, todos os dias, sem nenhum momento assim. um bolo, uma sobremesa, um chocolate, um gelado. tudo pode trazer uma memória, um gesto de reconforto contra a vida bruta e imensa que não pára nunca. e o espanto. o deslumbre. tudo isso faz com que uma viagem de aprendizagem maior tenha sido feita de espírito aberto a tudo o que tinham para me ensinar. tentei e tento sempre fazer o melhor que sei em cada momento. isso ficou gravado na forma de fazer as coisas. e depois, depois é só juntar o tal conforto e a tal corrida eterna pelo belo. foi uma travessia imensa. maior do que a vida. e isso é quase impossível. por isso, para quem me guiou fica o meu eterno agradecimento. se é que tal é passível de se agradecer. ensinar-se a viver na cozinha ou na pastelaria não se agradece. acho que se devolve no futuro. em cada prato que se criar. em cada desafio que se superar. em cada momento que for criado. em cada sabor que se vai descobrir. e quem sabe, uma dia, aqueles que nos ensinaram serão aqueles que encontram o conforto e a beleza que lhes queríamos ter conseguido oferecer em forma de um imenso e deslumbrante obrigado...

09/01/16

... do aprendido ...


«...he no longer dreamed of storms, nor of women, nor of great occurrences, nor of great fish, nor fights, nor contests of strength, nor of his wife. he only dreamed of places now and of the lions on the beach. they played like young cats in the dusk and he loved them as he loved the boy. he never dreamed about the boy. he simply woke, looked out the open door at the moon and unrolled his trousers and put them on...»
hemingway

... houve cinco coisas que aprendi com o acto de cozinhar profissionalmente para outros. coisas muito simples que mudaram a minha forma de olhar para a cozinha. a primeira foi a mais importante. os ingredientes, são alimentos e como tal a sua forma natural e o mais próximo do que é o que a natureza produz são sempre os elementos mais nobres de um prato. sejam eles quais forem. de um simples morango a uma cara e exótica trufa. isto determina a cozinha que faço. transformar o que é natural torna artificial o que faz esquecer o que temos de melhor: as coisas como são. a segunda coisa, é também muito simples. sempre que possível respeitar o imenso tempo das coisas ao cozinhar. vivemos num tempo de momentos líquidos, acelerados, e a cozinha procura, com técnicas acelerar tudo aquilo que precisa de um tempo verdadeiro, sem artimanhas ou qualquer outra coisa. há nisto um segredo ancestral. sejam dias, horas, minutos, tudo importa para a forma final das coisas ao serem degustadas. a terceira coisa que aprendi determina quase tudo. nada pode ser feito ao acaso. tem que haver, em tudo uma lógica, uma razão e uma história. pode ser até a história e vida de quem cozinha mas tem que estar lá essa "assinatura" e essa razão. a razão transforma qualquer confeccção numa identidade única. faz e marca a diferença. passa a ser de alguém para outro alguém. desgasta quem cria mas não há nada de mais belo que saber que um prato que será alimento de alguém tem essa marca diferenciadora. em quarto lugar, aprendi que o sabor não existe sem uma análise do momento em que se vive e se cozinha. não existe "o" sabor. existem sabores. marcados por épocas diferentes, lugares diferentes, vidas diferentes, gerações diferentes. todos procuram algo que é determinado por esse momento histórico que nos esquecemos ao querer harmonizar tudo debaixo do mesmo tecto. esse "sabor" não existe. perceber isso é perceber que diferentes receitas são de tempos diferentes. algumas precisam de modernidade e outras de antiguidade para fazerem sentido hoje em qualquer restaurante ou processo de degustação. por último, percebo que a atenção é algo de fundamental na cozinha e para quem cozinha. os estados de espíritos são lugares ausentes, na cozinha, porque é preciso cozinhar sempre atento. com um cuidado imenso. com uma estado de concentração que exige o máximo constantemente de quem cozinha. e uma atenção ao devir, ao movimento social, às tendências e tradições. a tudo. hoje ser cozinheiro é tudo isto. para mim, pelo menos. assim será...

... do tempo, na cozinha...


«...os seres não cessam de mudar de lugar em relação a nós. na marcha insensível mas eterna do mundo, nós consideramo-los como imóveis num instante de visão, demasiado breve para que seja percebido o movimento que os arrasta. mas basta escolher na nossa memória duas imagens suas, tomadas em instantes diferentes, bastante próximos no entanto para que eles não tenham mudado em si mesmo, pelo menos sensivelmente, e a diferença das duas imagens mede a deslocação que eles operavam em relação a nós...»
proust

... foi um último momento. a cozinha é feita de muitas últimas vezes. e ainda bem. é sempre do fim que se recomeça. às vezes, é mesmo isso que define tudo aquilo que faremos no dia seguinte. o fechar de um serviço. de um prato que se fez. olhando para o início percebi o que aprendi com cada um desses momentos. desse tempo. desse mudar. e foi, verdadeiramente, muito o aprendido. com os outros. com quem sabe. com quem ensinou. com quem partilhou. com os erros. com as certezas. as mãos aprenderam novos gestos. cozinhar é dominar o gesto. antes do sabor, ou da técnica, o gesto. esquecemos isso vezes demais. agora são quase automáticos. fiz minhas rotinas e hábitos que não o eram. esse foi o tempo aprendido. vi cada movimento que me queriam ensinar. percebi o tempo das coisas. as formas das coisas na cozinha. foi uma travessia feita disto mesmo. de observação antes de fazer o que quer que seja. perceber é tão importante como fazer. se neste tempo faltou o experimentar pelo experimentar a verdade é que cada coisa feita resultou do olhar atento sobre os gestos dos outros. e as conversas. e as perguntas. sei agora que pouco domino nesta arte de cozinhar bem e bom. mas sei também o que perguntar e como perguntar para o aprender num caminho que não terminou. começou. há um universo por saber. sempre. dizer que se tem certezas não é um erro. é um erro fazer dessas poucas certezas um lugar de onde não se sai. por isso, ao fechar mais um último momento, fiquei com essa absoluta e imensa sabedoria. que é o tempo que ensina os gestos necessários no acto de cozinhar. mais do que o nosso tempo o que partilhamos com os outros. o que aprendemos com os outros. é esse o tempo da cozinha. o precioso tempo do sabor...