03/05/16

... criar ou cozinhar ...


«...relaciono-me com a criatividade não sabendo para onde vou, mas sabendo onde não quero estar. e não quero estar no mundo pré-estabelecido, sem consciência crítica, sem questionar as coisas. a criatividade não tem que ser sempre disruptiva. a criatividade pode ser uma mudança minúscula. honesta e responsável. não temos que mudar tudo. integro a criatividade na forma como olho para as coisas. e a pressão, somos nós que a colocamos...»
andoni luis aduriz

... não fomos, os portugueses, mestre na fusão em cozinha, como se quer dizer. como diz quem desconhece a história. éramos e fomos sempre transportadores. nos descobrimentos que foram achamentos de terras, coisas e sabores. não gostávamos. levávamos a bordo as nossas coisas para os nossos e trazíamos as dos outros para os outros. uma certa nobreza curiosa usava coisas novas em cima de coisas velhas. a nossa cozinha é árabe. e é romana. essa é a base. não nos podemos esquecer que temos mais de oito séculos de história de cozinha. sem fusão. só essência. do produto da terra, feito de coisas simples, muito simples. depois, das descobertas as misturas. o sul é rico nisso, muito mais do que o norte. por causa das influências. das cores das especiarias. a fusão é uma confusão moderna. e agora que tenho como referência o ter que cozinhar com uma técnica e recurso marroquino só penso nisso. nessa origem da nossa cozinha. que está ali. no barro, no cozinhar lento, no conservar. está ali tudo. numa lição que nem eu sabia que teria que aprender. cozinho, agora, todos os dias com essa devoção. como se o tempo fosse o melhor ingrediente. como a viagem feita por um portugal imenso me tivesse dado o saber para o sabor que tive que criar e para as criações que ainda vou ter que fazer. é por isso que sempre disse que criatividade sem conhecimento é idiotice. a base, essa, tem sempre que ser o que se sabe, conhece, compreende. daí se podem erguer novidades ou remisturas. fusões. as tais fusões que se diz que são modernas. e depois, depois de tudo quem nos visita quer conhecer um país de sabores. podemos até usar técnicas que descobrimos quando em séculos passados nos aventurámos num mar sem fim. podemos usar condimentos, segredos e saberes. mas o que temos que apresentar a quem quer conhecer a nossa gastronomia é a essência dessa mesma história. tudo num prato. degustado aqui. para memória, de cá. ao criar, tenho sempre isso em mente. porque isso é a essência de uma cozinha de referência. o resto? o resto é só espectáculo. nada mais...

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